sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Fraude em empréstimo bancario gera indenização

Apelação Cível n. 2011.068950-1, de Lages

Relatora: Desa. Subst. Denise Volpato

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

RECURSO DO BANCO REQUERIDO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO CONSUMERISTA. EQUIPARAÇÃO DA VÍTIMA DO EVENTO DANOSO A CONSUMIDOR. EXEGESE DO ARTIGO 17 DO REFERIDO DIPLOMA. PLEITO DE REFORMA DA SENTENÇA AO ARGUMENTO DE NÃO TER PERPETRADO QUALQUER ATO ILÍCITO. DEMANDADO QUE DEFENDE A SUA IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA DE CONSTATAR A OCORRÊNCIA DE FRAUDES. INSUBSISTÊNCIA. ANÁLISE DOS ELEMENTOS ENSEJADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. FALTA DE COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DA CONTRATAÇÃO DO FINANCIAMENTO PELO AUTOR, ALIADA A AUSÊNCIA DE PROVA DE QUALQUER RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES. ÔNUS QUE INCUMBIA AO BANCO. EXEGESE DO ARTIGO 6º, VIII, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PREPONDERÂNCIA DA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO POR PARTE DO REQUERIDO QUE NÃO OPEROU COM A CAUTELA NECESSÁRIA NA ABERTURA DE CRÉDITO. FORTUITO INTERNO CONSOLIDADO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 14 DO CÓDIGO CONSUMERISTA E DA SÚMULA 479 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL PRESUMIDO (IN RE IPSA). DEVER DE INDENIZAR MANTIDO.

QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM SENTENÇA EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). APELAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA VISANDO A MINORAÇÃO E RECURSO ADESIVO DO AUTOR OBJETIVANDO A MAJORAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, PONDERADAS AS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DAS PARTES E O CARÁTER INIBIDOR E PEDAGÓGICO DA MEDIDA QUE IMPÕEM A MAJORAÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA PARA R$ 35.000,00 (TRINTA E CINCO MIL REAIS). CONHECIMENTO DE AMBAS AS INSURGÊNCIAS. DESPROVIMENTO DO RECURSO DO BANCO REQUERIDO E PROVIMENTO DO RECLAMO ADESIVO DO AUTOR.

APLICAÇÃO DE OFÍCIO DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AO BANCO REQUERIDO NO IMPORTE DE 1% (UM POR CENTO) DE MULTA E 20% (VINTE POR CENTO) DE INDENIZAÇÃO, AMBOS SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA. EXEGESE DO ARTIGO 17, VII, E ARTIGO 18, CAPUT E § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.068950-1,da comarca de Lages (1ª Vara Cível), em que é apte/rdoad Paraná Banco S/A, e apdo/rtead Joaquim Garcia:

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso do banco requerido e negar-lhe provimento e, de ofício, aplicar-lhe as penas da litigância de má-fé na ordem de 1% (um por cento) de multa e 20% (vinte por cento) de indenização, ambas a incidir sobre o valor atualizado da causa. Conhecer do recurso adesivo do autor e dar-lhe provimento para majorar o valor da indenização para R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Excelentíssimo Desembargador Carlos Prudêncio, presidente com voto, e o Excelentíssimo Desembargador Odson Cardoso Filho.

Florianópolis, 02 de outubro de 2012.

Denise Volpato

Relatora

RELATÓRIO

Forte no Princípio da Celeridade, e utilizando racionalmente as ferramentas informatizadas, adota-se, in totum, o relatório da Sentença (fl. 58), verbis:

"Joaquim Garcia, devidamente qualificado, ingressou com a presente ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais contra Paraná Banco S/A, também qualificado, alegando que, apesar de nunca ter mantido relação comercial com o requerido, seu nome foi inscrito no SPC, fato que gerou abalo moral. Ao final requereu a concessão de tutela antecipada, e a procedência dos pedidos, para que seja declarada a inexistente do débito, bem como que o requerido seja condenado ao pagamento de indenização por danos morais.

A análise da tutela antecipada restou postergada.

Em resposta, o banco requereu a denunciação da lide da Passofundense Artefatos de Madeiras Ltda. ME, e alegou preliminarmente a ilegitimidade passivaad causam. No mérito, sustentou que somente após conferir todos os dados, realizou financiamento em nome do autor pelas vias corretas e legais. Aduziu que a inscrição é legítima, posto que as parcelas nunca foram quitadas pelo autor, e dessa forma, não há dano moral a ser indenizado.

Houve réplica."

Ato contínuo, sobreveio Sentença (fls. 58/61), julgando antecipadamente a lide, nos seguintes termos: "JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, declarando-se inexistente o débito apontado nas fls. 49, determinando a exclusão do nome do autor dos cadastros restritivos, o que defiro também na forma de tutela antecipada, e condeno o réu ao pagamento de R$5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por danos morais, a ser atualizado pelos índices oficiais (CGJ) a partir da data do arbitramento, acrescido de juros legais a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), ou seja, da data em que o nome do autor foi apontado nos órgãos de proteção ao crédito. Ainda, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação, a teor do artigo 20, 3 do Código de Processo Civil, já observado o limite imposto pela Lei n. 1.060/50."

Irresignadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação.

Em seu recurso (fls. 65/78), o banco demandado defende a ausência dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, ao argumento de não ter agido com a intenção de prejudicar o apelado. Alega ter apenas recepcionado os documentos enviados por uma de suas correspondentes, atendendo a solicitação de realização de contrato de financiamento, sem infringir o disposto nos artigo 186 e 927 do Código Civil. Assevera não ter sido negligente, ressaltando a impossibilidade de seu funcionário, sem qualquer conhecimento técnico de perícia, perceber irregularidades nos documentos que foram apresentados. Destaca a ausência de provas capazes de demonstrar a efetiva ocorrência dos danos morais suportados pelo autor, requerendo seja julgada improcedente o pedido de indenização. No caso de eventual manutenção da condenação, postula a minoração do quantum indenizatório.

O autor, por sua vez, interpôs recurso adesivo (fls. 84/88), postulando, tão-somente, a majoração do quantum indenizatório.

Contrarazoados ambos os recursos (fls. 90/91 e fls. 95/106), ascenderam os autos a este Tribunal.

Este é o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade

É consabido que o procedimento recursal exige o preenchimento de pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do recurso interposto. Portanto, torna-se imperiosa, num primeiro momento, a análise dos pressupostos recursais, em razão de constituírem a matéria preliminar do procedimento recursal, ficando vedado ao Tribunal o conhecimento do mérito no caso de não preenchimento de quaisquer destes pressupostos.

Tais pressupostos são classificados como intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo). Os pressupostos intrínsecos estão atrelados ao direito de recorrer, ao passo que os extrínsecos se referem ao exercício desse direito.

Assim, preenchidos os pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise dos recursos.

2. Recurso do banco requerido

2.1. Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e da inversão do ônus da prova

Circunscreve-se a presente demanda ao pedido de inexistência de débito indevido cumulada com indenização por danos morais movida por Joaquim Garcia em razão da inscrição indevida de seu nome no rol de inadimplentes, decorrente de dívida de financiamento que afirma nunca ter solicitado ao banco requerido.

Diante da situação fática exposta, mesmo inexistindo relação jurídica contratual entre as partes é inegável ter sido o autor açodado com o defeito na prestação dos serviços do banco demandado.

Logo, sendo o autor vítima do evento danoso relatado, torna-se inegável a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, consoante disposto no artigo 17 do referido Diploma:

"Art. 17. Para os efeitos desta seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento"

Ademais, quanto à aplicabilidade das normas consumeristas às instituições financeiras, incide na espécie a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça:

"Súmula 297 - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras."

Frente a esses argumentos, e por serem de ordem pública as normas protetivas do consumidor, admite-se a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao presente recurso, especialmente no que se refere à responsabilidade objetiva da instituição bancária por falha na prestação dos seus serviços.

Reconhecida a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, admite-se a inversão do ônus da prova quando ausente elemento probatório necessário ao deslinde da demanda e as alegações do consumidor estiverem revestidas de verossimilhança ou verificada sua hipossuficiência na relação, consoante disposto em seu artigo 6º, VIII, in verbis:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;"

Sobre o tema, destaca-se da doutrina:

"(...) ao juiz é facultado inverter o ônus da prova inclusive quando esta prova é difícil mesmo para o fornecedor, parte mais forte e expert na relação, pois o espírito do CDC é justamente de facilitar a defesa dos direitos dos consumidores e não ao contrário, impondo provar o que é em verdade o "risco profissional - ao vulnerável e leigo - consumidor." (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos, MARQUES, Claúdia Lima, BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor - Editora Revista dos Tribunais - 2ª Edição 2008, p. 64)

In casu, havendo negativa peremptória do autor acerca da contratação do financiamento junto ao requerido, bem como evidenciada a sua hipossuficiência econômica (beneficiário da justiça gratuita) e técnica diante do demandado, têm-se como corolário a aplicação do disposto no artigo supra citado, recaindo, portanto, sobre o banco o ônus de provar o contrário.

Neste sentido, é entendimento deste Tribunal de Justiça que:

"A hipossuficiência da parte e a verossimilhança das alegações autorizam a inversão do ônus da prova, cuja decretação pode ser eventualmente reconhecida por ocasião da sentença."(TJSC. Embargos de Declaração em Apelação Cível n. 2006.011507-9/0001.00, da Capital. Rel. Desembargadora Substituta Sônia Maria Schmitz, julgado em 16.09.2009)

Deste modo, visando suprir a hipossuficiência do requerente, evidenciada a verossimilhança dos fatos narrados na inicial, inexorável se faz a inversão do ônus da prova, restando ao requerido a necessária comprovação dos fatos.

Estabelecida a inversão do ônus da prova em favor do autor, passa-se à análise dos elementos configuradores da responsabilidade civil objetiva.

2.2. Da responsabilidade objetiva

É cediço que, à configuração da responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, exige-se a comprovação da prática de conduta comissiva ou omissiva, causadora de prejuízo à esfera patrimonial ou extrapatrimonial de outrem, independentemente de culpa, decorrendo dessas situações, os seus pressupostos: ato ilícito, dano e nexo de causalidade.

O presente caso, trata de recurso de apelação interposto por Paraná Banco S.A. contra Sentença de Primeiro Grau que, nos autos da Ação de Inexistência de débito c/c indenização por danos morais, movida por Joaquim Garcia, julgou procedente o pedido exordial para condenar o banco ao pagamento da indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescida dos consectários previstos em lei, custas processuais e honorários advocatícios.

Em suas razões recursais, o Banco demandado defende a ausência dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, asseverando ter apenas atendido a solicitação de realização de contrato de financiamento, após recepcionar os documentos enviados por uma de suas correspondentes. Ressalta a impossibilidade de seu funcionário, sem qualquer conhecimento técnico de perícia, perceber irregularidades nos documentos que foram apresentados, frisando a ausência de provas capazes de demonstrar a efetiva ocorrência dos danos morais suportados pelo autor.

Pois bem, do conjunto probatório colacionado aos autos e de acordo com as assertivas aventadas por ambas as partes, verifica-se que o recurso interposto pelo banco demandado deve ser conhecido e desprovido, merecendo a Sentença de fls. 58/61, da lavra do Eminente Juiz de Direito Joarez Rusch, ser adotada como razão de decidir, com fulcro no art. 150 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, in verbis:

"Resta incontroversa nos autos a inscrição negativa realizada pelo banco réu contra o autor (fls. 10/11), em decorrência de dívida que, supostamente, refere-se ao financiamento encaminhado pela empresa Passofundense autorizado pelo autor.

Tratando-se de relação consumerista, a negativa do consumidor compele o fornecedor a comprovar a relação que defende através do contrato de financiamento. Contudo, o requerido, em respeito à inversão do ônus da prova previsto no artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, não logrou êxito em demonstrar a dívida impugnada, pois logo se vê, através do documento de fls. 49, que a assinatura lá constante, em comparação com as presentes na procuração, na identidade e na declaração de hipossuficiência, difere visivelmente da grafia do autor, e portanto, não há como reconhecer a validade do referido documento, impondo-se a declaração de inexistência do débito apontado nas fls. 49.

Ademais, não há como o banco réu se eximir da relação comercial, pois não comprovou sua obrigatoriedade contratual para com a empresa Passofundense, e de qualquer forma, a conferência da documentação e da validade dos mesmos é encargo fundamental ao exercício de sua atividade, e portanto, sem a tomada as medidas preventivas, deve responder pelos danos decorrentes de sua negligência, ainda que originária de seus prepostos.. Nesse sentido:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - CONTRATO DE FINANCIAMENTO AJUSTADO POR FALSÁRIO - NEGLIGÊNCIA DO BANCO RÉU EM ANALISAR OS DOCUMENTOSNECESSÁRIOS À PACTUAÇÃO - FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA DA ASSINATURA DA CONTRATANTE - RESPONSABILIDADE DO RÉU CONFIGURADA - DEVER DE INDENIZAR [...]" (TJSC, Ap. Cív. n. 2008.004177-0, de Imbituba, rel. Des. Subst. Jaime Luiz Vicari).

Em decorrência dos fatos acima expostos, o nome do requerente restou negativado.

O dano moral, de igual forma, merece procedência, pois reconhecida a ilegalidade do contrato de fls. 49, a inscrição do nome do autor no cadastro de inadimplentes, consequentemente, também é ilegal.

"A inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito, se acarreta lesão à honra objetiva do consumidor do serviço, ou seja, a sua imagem e credibilidade, impõe a competente reparação" (Ap. Cív. n. 2009.001031-4, de Curitibanos, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 30.6.2009).

E ainda:

"O protesto indevido de duplicata enseja indenização por danos morais, sendo dispensável a prova do prejuízo" (STJ, REsp n. 389.879/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)."

Como bem salientado pelo Magistrado a quo, em que pese o esforço da instituição financeira em tentar eximir-se da responsabilidade pelo ocorrido - utilizando, até mesmo, a justificativa de que seus funcionários não possuem conhecimento técnico de perícia para perceber irregularidades nos documentos que foram apresentados -, não se desincumbiu do ônus que lhe competia (art. 6º, VIII, do CDC).

Ou seja, deixou de demonstrar que a contratação do financiamento que ensejou a restrição foi realizada pelo autor, o que poderia ser facilmente resolvido se o apelante tivesse se munido das cautelas necessárias no momento da concessão do crédito.

Em sendo assim, o banco demandado tem o dever de responder pelo dano, haja vista que ao atuar no mercado de consumo se torna responsável pela reparação dos danos decorrentes de sua atividade, mesmo que sejam causados a terceiros relativa ou totalmente independentes das relações comerciais por ele firmadas, consoante determinação expressa constante no artigo 14 da lei consumerista, in verbis:

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

Ademais, não pode o banco demandado se desincumbir da responsabilização pelos prejuízos ocasionados ao autor por suposta culpa de terceiro, porquanto o dano ora em comento decorre de um risco inerente à própria atividade de concessão de crédito explorada pelo requerido.

Inclusive sobre as atividades de risco, esclarece Fernando Noronha:

"Quem exerce determinadas atividades, suscetíveis de causar danos a terceiros, terá, como contrapartida dos benefícios que aufere, de suportar os danos que sejam eventualmente ocasionados a outrem. São essencialmente três os riscos de atividade (cf. Art. 927, parágrafo único) que fundamentam a responsabilidade objetiva: o risco de empresa, o risco administrativo e o risco-perigo. Esses riscos podem ser sintetizados dizendo-se que quem exerce profissionalmente uma atividade econômica, organizada para a produção ou distribuição de bens e serviços, deve arcar com todos os ônus resultantes de qualquer evento danoso inerente ao processo produtivo ou distributivo, inclusive os danos causados por empregados e prepostos; que a pessoa jurídica responsável, na prossecução do bem comum, por uma certa atividade, deve assumir a obrigação de indenizar particulares que porventura venham a ser lesados, para que os danos sofridos por estes sejam distribuídos pela coletividade beneficiada; que quem se beneficia com uma atividade lícita e que seja potencialmente perigosa (para outras pessoas ou para o meio ambiente), deve arcar com eventuais consequencias danosas. Na evolução do direito da responsabilidade civil, a idéia do risco-perigo precedeu as do risco empresa e administrativo, mas com o desenvolvimento destas, passou a assumir um papel meramente complementar delas." (Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007)

Outrossim, a evidente possibilidade da ocorrência de fraude, facilitada em razão da não verificação da veracidade de documentos apresentados no momento da contratação do financiamento enquadra-se no conceito de fortuito interno, próprio do risco da atividade bancária, não podendo o banco esquivar-se de tal encargo, aviltando a dignidade e a cidadania do autor.

Consagrado o entendimento expendido em Primeiro Grau e neste Órgão Fracionário adotado há muito tempo, o Superior Tribunal de Justiça recentemente editou a Súmula 479 - "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias."

Neste mesmo sentido já assentou esta Relatora:

"Para a caracterização da excludente de responsabilidade "culpa exclusiva de terceiro", o dano não pode estar diretamente ligado ao exercício da atividade comercial do requerido, devendo ser imputado a fato externo, totalmente alheio ao negócio por ele desenvolvido. Assim, os prejuízos decorrentes da prática de estelionato por terceiro devem ser suportados pelo fornecedor, porquanto decorrente de um risco inerente à própria atividade de concessão de crédito [...]" (TJSC. Apelação Cível n. 2007.007042-4, de Blumenau. Rel. Desa. Denise Volpato, julgado em 08/04/2011).

Conclui-se, portanto, que a ilicitude perpetrada pelo Paraná Banco S.A. decorre da falta de prudência na prestação de seus serviços, por não operar com a cautela esperada de modo a evitar o ocorrido, averiguando a autenticidade de documentos apresentados no momento da contratação do empréstimo, o que resultou na inscrição indevida do nome do autor em órgãos de proteção ao crédito.

Tocante ao dano moral, atualmente é pacífico na doutrina e jurisprudência que, tratando-se de inscrição indevida no cadastro de inadimplentes basta a comprovação do ilícito, uma vez que os prejuízos decorrentes de tal ato são de conhecimento de toda a sociedade. Trata-se do dano moral presumido ou do dano moral in re ipsa, ou seja, aquele que independe da produção de outras provas, pois a lesão extrapatrimonial é presumida.

A propósito, observa Sérgio Cavalieri Filho:

"Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa.; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum" (Programa de responsabilidade civil, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 101 e 102).

Inclusive, este é o entendimento desta Câmara:

"É entendimento cristalizado na jurisprudência dos tribunais do País que, havendo a inscrição indevida do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, está caracterizado o dano moral por abalo do crédito, independentemente de comprovação do prejuízo moral sofrido pela pessoa lesada, porquanto presumíveis (in re ipsa)". (TJSC, Apelação Cível n. 2005.022619-7, de Blumenau; Relator Joel Dias Figueira Júnior; julgado em 08/07/2008).

Dessa forma, a ocorrência do dano psíquico é presumida (in re ipsa), sendo despicienda a produção de provas para sua aferição, bastando para tanto a prova da ilicitude do ato, da qual se presume a ocorrência do evento danoso.

Diante disso, não merecem prosperar os argumentos levantados pelo banco recorrente, no sentido de que o autor não comprovou os prejuízos sofridos, pois a existência do evento danoso é decorrência da própria ilicitude do ato (ipso facto), sendo sua existência presumida (art. 335/CPC), ante o elevado grau de subjetividade que permeia esse tipo de abalo anímico.

Por fim, resta bem caracterizado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo autor em razão da conduta negligente do banco requerido

Patenteados estão, portanto, os requisitos geradores da responsabilidade civil objetiva da demandada: ato ilícito, dano e nexo causal entre a ação e o dano, exsurgindo assim o dever de indenizar do demandado.

Tocante ao pedido de minoração do quantum indenizatório, tal insurgência será analisada em conjunto com o recurso adesivo interposto pelo autor.

3. Recurso adesivo do autor

Reconhecida a existência do dano moral sofrido pelo autor e o dever de indenizar do requerido, passa-se à apreciação do quantum indenizatório, atacado tanto pelo recurso de apelação do banco como pelo recurso adesivo do demandante.

In casu, a Sentença de Primeiro Grau fixou a indenização por danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), postulando o autor a sua majoração, enquanto o banco requerido requer a minoração do valor arbitrado.

Pois bem.

Em virtude da inexistência de parâmetros legais para fixação da verba indenizatória, prepondera na doutrina e jurisprudência o entendimento de que o arbitramento da indenização pelo Magistrado levará em consideração os critérios de razoabilidade e proporcionalidade além de analisar as peculiaridades do caso concreto.

Estabeleceu-se, ainda, na doutrina e jurisprudência pátria a necessidade de analisar-se não só as possibilidades financeiras da parte ofensora - pois a reprimenda deve ser proporcional ao seu patrimônio material, para que surta efeito inibitório concreto -, mas igualmente da parte ofendida, pois o Direito não tolera o enriquecimento sem causa.

Nesse sentido, destaca-se desta Colenda Câmara:

"Deve o julgador, quando da fixação da condenação decorrente de danos morais com caráter reparatório, educativo e punitivo, sopesar a condição socioeconômica dos envolvidos, a intensidade da culpa despendida para o evento e a gravidade do dano acarretado." (TJSC, n. 2007.003701-5, de Curitibanos, Rel. Desa. Subst. Denise Volpato, julgado em 25/06/2010)

Outrossim, importante salientar que, em casos tais, a indenização arbitrada guarda, além do caráter compensatório pelo abalo de crédito e a imagem causado pelo ato ilícito praticado, também o caráter pedagógico e inibitório, vez que visa precipuamente coibir a continuidade ou repetição da prática pelo banco demandado.

Esse critério (inibidor) assume relevância quando se leva em conta os lucros astronômicos dos bancos em detrimento da qualidade dos serviços postos à sociedade em geral. Ora, não por falta de estrutura nem por falta de organização operacional pode-se imaginar a ocorrência de inúmeras reclamações dos consumidores, ao ponto dos bancos estarem entre os maiores litigantes do país, conforme ranking recentemente divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Ademais, há de se salientar não importar a indenização moral em verdadeiro enriquecimento, haja vista que visa tão-somente restabelecer a dignidade da vítima por meio da agressão ao patrimônio material do ofensor. Diante das circunstâncias, o ofendido é obrigado a suportar a transformação de sua dignidade (patrimônio imaterial) em pecúnia (patrimônio material), não se trata de escolha (o que seria imoral, e certamente defeso pelo Direito), mas sim de coerção indiretamente realizada pelo próprio ofensor.

Outrossim, o arbitramento de indenização com exagerada parcimônia agride igualmente o escopo dissuatório do instituto quando não realizada profunda incursão no patrimônio material do ofensor.

A reprimenda judicial deve refletir-se em verdadeiro desestímulo à continuidade dessas práticas contrárias ao necessário acautelamento do risco de a atividade causar dano a terceiros, de tal modo que a economia com a má prestação do serviço seja aniquilada.

Hodiernamente o que se visualiza nas relações de consumo é a adoção da filosofia empresarial do "se colar colou", como aludiu em brilhante voto o Ministro Hermann Benjamin:

"[...] no trato com os chamados sujeitos-profanos - na hipótese, milhões de consumidores não 'iniciados' em complexas transações e operações técnicas, comerciais, financeiras ou tributárias -, o fornecedor é sempre tentado (embora muitos, imbuídos de responsabilidade social, resistam) a utilizar a filosofia do 'se colar, colou', valendo-se exatamente da 'fraqueza ou ignorância do consumidor' (art.39, IV, do CDC). A técnica do 'se colar, colou' é a antítese dos princípios da boa-fé objetiva e da transparência, que integram a linha de frente do Direito do Consumidor."

É com amparo nessa filosofia operacional que as instituições financeiras, e concessionárias de serviço público impingem danos incalculáveis à coletividade ao deixar de adotar práticas responsáveis, comprometendo sobremaneira a cidadania.

Dessarte, o real industriário do dano moral, que assoberba os escaninhos do Poder Judiciário, é o fornecedor de bens e serviços que age de forma contrária à boa-fé contratual, gerando danos aos consumidores.

O desrespeito aos direitos dos brasileiros é tanto que os bancos figuram como o 2º (segundo) maior litigante do país, o que denota não só a má-qualidade dos serviços bancários, como também o desprezo pelo consumidor e pela dignidade da Justiça, haja vista o elevado índice de litigiosidade que este indicador representa.

É o que se extrai do relatório acerca dos maiores litigantes do país, confeccionado pelo Conselho Nacional de Justiça:

"Observa-se da tabela 2, abaixo, que o setor público federal e os bancos representam cerca de 76% do total de processos dos 100 maiores litigantes nacionais, enquanto o sertor bancário corresponde a mais da metade do total de processos pertencentes aos 100 maiores litigantes da Justiça Estadual (54%)." (Disponível em http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.Pdf, acesso em 29/05/2012, p. 14)

Não fossem as parcas condenações - desproporcionais em relação ao porte econômico-financeiro dos bancos -, tais instituições certamente resolveriam as situações conflituosas (que por evidente não podem ser integralmente evitadas; fato que não afasta sua responsabilidade pelo ressarcimento dos danos por si provocados, ressalta-se) na esfera administrativa, ou ainda no início da angularização da lide.

Esse desrespeito reiterado não só se reflete na transferência a todos os brasileiros dos custos de manutenção da dispendiosa estrutura judicial, como também no consequente cerceamento ao cidadão comum do direito de obter uma decisão mais ágil em demandas particulares, face o assoberbamento das instâncias judiciais.

Os danos, portanto, refogem a esfera patrimonial das partes envolvidas nas lides consumeristas deste gabarito, porquanto o grande número de demandas visando a compensação pelos danos diuturnamente provocados pelas instituições financeiras gera efeitos sociais desastrosos, ferindo drasticamente a cidadania e a dignidade dos consumidores.

Deste modo, o que se apresenta contrário à razoabilidade é a minoração da indenização conforme pleiteado pelo apelante. Ora, indenizações arbitradas em valores ínfimos se comparados aos lucros obtidos pela casa bancária, são de todo iníquas à finalidade pedagógica do instituto, servindo muito mais como um estímulo à manutenção de serviços defeituosos e práticas desidiosas dos fornecedores de serviços bancários.

Ao arbitrar o valor da indenização com excessiva parcimônia o julgador atenta contra a razoabilidade de todo o sistema jurídico, haja vista que a pretexto de impedir o enriquecimento sem causa da vítima, acaba por provocar em vias reflexas o enriquecimento sem causa do ofensor. Nessas lides, a questão torna-se bastante simples: ou o Judiciário provoca um relativo sobre-enriquecimento da vítima ou um efetivo enriquecimento do ofensor (em prejuízo de toda a sociedade).

Além da compensação moral, o montante deverá ser fixado levando-se em conta a extensão do dano (a ser aferida em cada caso; artigo 944/CC) - não só impingido à esfera anímica da parte, mas a ofensa aos valores da dignidade e cidadania -, e ainda, como ressaltado à exaustão, conferindo-se o imprescindível caráter pedagógico/punitivo ao ofensor.

Nessa toada, é imperioso que o Poder Judiciário assuma seu papel de pacificador social e entregue a prestação jurisdicional adequada à construção de uma sociedade cidadã, relevando a imposição legal de proteger (jurisdicionalmente) os consumidores.

Esse é o brilhante ensinamento da professora Cláudia Lima Marques:

"Promover significa assegurar afirmativamente que o Estado-juiz, que o Estado-Executivo e o Estado-Legislativo realizem positivamente a defesa, a tutela dos interesses destes consumidores. É um direito fundamental (direito humano de nova geração, social e econômico) a uma prestação protetiva do Estado, a uma atuação positiva do Estado, por todos os seus poderes: Judiciário, Executivo, e Legislativo. É direito público geral, não só de proteção contra as atuações do Estado (direito de liberdade ou direitos civis, direito fundamental de primeira geração, em alemão Abwehrrechte), mas de atuação positiva (protetiva, tutelar, afirmativa, de promoção) do Estado em favor dos consumidores (direito a alguma coisa, direito prestacional, direito econômico e social, direito fundamental de nova geração, em alemão Rechte auf positive Handlungen)." (MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo R.; Manual de Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: RT, 2009. p. 27)

Outrossim, impende salientar ser o banco apelante uma instituição financeira de grande porte com recursos suficientes para adotar as cautelas necessárias a impedir que ocorram erros operacionais básicos.

Então, frente à desproporção entre o patrimônio das partes, a fixação da indenização há de se fazer de forma a que o requerido entenda que deve, doravante, empreender todos os esforços para que seus clientes sejam seguramente identificados quando da abertura de contas ou contratação de financiamentos, e notificados pessoalmente da mora, oportunizando as defesas devidas e esclarecimento de erros tão crassos, de forma a evitar prejuízos que tais; e também ao autor, de forma que não se sinta ainda mais desprestigiado com a fixação da indenização em valor irrisório, pois então a decisão judicial seria pior do que a humilhação sofrida.

Assim, ponderadas as particularidades do caso em exame, e visando imprimir caráter inibidor e pedagógico a reprimenda, impõe-se a majoração do valor arbitrado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), a fim de compensar o abalo moral decorrente da inscrição e manutenção indevida.

Em caso semelhante, extrai-se da jurisprudência desta Colenda Câmara:

"Por esses motivos, afigura-se medida de inteira justiça fixar-se a compensação pecuniária em montante equivalente a R$ 35.000,00, acolhido o recurso do Autor, pois condizente com o valor que esta Câmara tem estabelecido em casos similares, acrescido de juros, a contar da data do ilícito (5-4-2007), e de correção monetária, a contar da data da publicação deste acórdão em Sessão." (TJSC. Apelação Cível n. 2008.057561-1, da Capital. Rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior, julgado em 17.05.2011).

E ainda:

"QUANTUM INDENIZATÓRIO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO SENTIDO DE ARBITRAR EM TRINTA E CINCO MIL REAIS O VALOR INDENIZATÓRIO.

Esta Câmara tem fixado o quantum indenizatório de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando em conta a malícia, o dolo ou o grau de culpa daquele que causou o dano; as condições pessoais e econômicas das partes envolvidas; os antecedentes pessoais de honorabilidade e confiabilidade do ofendido; a intensidade do sofrimento psicológico gerado pelo vexame sofrido; a finalidade admonitória da sanção, para que a prática do ato ilícito não se repita; e o bom senso para que a indenização não seja extremamente gravosa, gerando enriquecimento sem causa ao ofendido, nem irrisória, que não tenha o cunho de propiciar uma compensação, minimizando os efeitos da violação ao bom nome do ofendido. Assim, considerando o fato de a ré ter inscrito o nome do autor por dívida sequer contraída, à luz da teoria do desestímulo, impõe-se a majoração do valor arbitrado de R$ 3.000,00 (três mil reais) para R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). (AC n. 2009.040132-6, Rel. Des. Edson Ubaldo, DJ de 5-5-2010)." (TJSC. Apelação Cível n.2010.082631-9, de Içara. Rel. Des. Carlos Prudêncio, julgado em 17/02/2011).

Desta feita, com amparo nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, considerando à gravidade do dano e a situação econômica das partes envolvidas, majora-se o valor da condenação fixada no Primeiro Grau para R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais).

4. Da litigância de má-fé

Por derradeiro, há de se analisar a conduta do banco apelante à luz das disposições concernentes à necessária boa-fé processual.

Nos termos do Diploma Processual Civil, reputa-se litigante de má-fé aquele que abusa do seu direito de defesa e acesso ao Poder Judiciário ao interpor recurso com intuito protelatório (art. 17, VII, do Código de Processo Civil).

Trata-se de um poder-dever do juízo de manutenção da probidade e lealdade processual (art. 14, II, do Código de Processo Civil) - porquanto o processo visa tão-somente a elucidação da verdade como forma de equacionar as vontades dissonantes das partes - e, portanto, há de ser reconhecida de ofício, como exprime a literalidade do artigo 18 do CPC.

Outrossim, imperioso reconhecer-se causarem as manobras desleais da requerida apelante efeitos danosos para além da esfera patrimonial da autora apelada, atingindo à sociedade como um todo.

Ora, flagrante é o prejuízo gerado à sociedade pela desnecessária movimentação da dispendiosa máquina judiciária.

In casu, o requerido resiste à pretensão expendida na exordial, contrariando entendimento já consolidado por este Tribunal, restando evidente a intenção de protelar o trânsito em julgado da decisão.

Pois bem, evidenciada a tentativa de protelar o pagamento da indenização devida, impõe-se seja aplicada à parte requerida/apelante, de ofício, a pena por litigância de má-fé.

Nesse sentido, de se salientar haver se consolidado recentemente nas instâncias judiciais superiores a desnecessidade de comprovação dos danos suportados pela parte adversa para fins de fixação da indenização por infringência à lealdade processual.

A lei processual civil não exige comprovação dos danos suportados,relegando ao prudente arbítrio do Estado-Juiz o estabelecimento do valor da indenização. Verbis:

"Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a Indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. (Redação dada pela Lei nº 9.668, de 23.6.1998) §1o Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. §2o O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)"

Destacam-se, os danos impingidos, no mínimo, ao patrimônio ideal da parte adversa em razão do recurso protelatório, especialmente por renovarem os sentimentos de angústia e inquietude tocantes à pretensão injustamente resistida.

Nesse viés, ainda, de se ressaltar não diferenciar a lei processual qual espécie de prejuízo podem ser objeto de reparação, sendo assente que após a promulgação da atual Constituição Federal em 05/10/1988 os danos de ordem exclusivamente moral - ou seja, in casu, a honra objetiva da empresa demandante deve ser objeto de reparação.

Outrossim, para além do caráter reparador dos inexoráveis danos experimentados pela parte que aguarda a solução de uma controvérsia - danos estes de difícil ou impossível comprovação material -, o instituto tem nítidos contornos inibitórios - visando a manutenção da dignidade da jurisdição, e da finalidade pública do processo.

Por esses motivos, é devida também a indenização em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da causa, de modo a imprimir na reprimenda caráter pedagógico e inibitório.

É o que se extrai da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"Em momento algum a lei processual exige que haja prova do prejuízo como sustentado pela parte recorrente. Tenho que a procrastinação no processo é causa suficiente para a configuração do prejuízo à parte contrária e ao andamento processual do feito." (Resp n. 861.471/SP, rel. Min. João Otávio Noronha, julgado em 9/2/2010)

Assim, pela temeridade e caráter procrastinatório do recurso, resta evidenciada a má-fé processual da requerida recorrente, a quem, de ofício, impõe-se multa de 1% (um por cento) e indenização de 20% (vinte por cento), ambas a incidir sobre o valor atualizado da causa.

Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso do banco requerido e negar-lhe provimento e, de ofício, aplicar-lhe as penas da litigância de má-fé na ordem de 1% (um por cento) de multa e 20% (vinte por cento) de indenização, ambas a incidir sobre o valor atualizado da causa. Conhecer do recurso adesivo do autor e dar-lhe provimento para majorar o valor da indenização para R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais).

Este é o voto.

Gabinete Des. Denise Volpato

Para citar a jurisprudência apresentada usar: (TJSC, Apelação Cível n. 2011.068950-1, de Lages, rel. Des. Denise Volpato , j. 02-10-2012)

terça-feira, 11 de setembro de 2012

STJ - Construtora é condenada a pagar multa por rescisão contratual prevista apenas contra o consumidor

 

É possível aplicar à construtora multa que o contrato previa apenas para a hipótese de inadimplemento do consumidor. Por outro lado, o comprador pode ter que pagar aluguéis pelo tempo em que morou no imóvel que apresentou defeitos na edificação, mesmo que eles decorram de culpa da construtora. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A consumidora ingressou com ação para rescindir contrato de compra e venda de uma casa nova, porque o imóvel foi entregue com atraso de mais de dois anos e com vários defeitos que a tornavam imprópria para uso. Haveria inclusive risco de desabamento. Ela morou no local por quatro anos.

A sentença concedeu o pedido e determinou que fossem devolvidos à autora os valores pagos pelo imóvel. Além disso, a construtora foi condenada a pagar multa pela extinção do contrato. O juiz também julgou procedente o pedido feito pela construtora na reconvenção, em que requeria pagamento de aluguéis por parte da autora pelos quatro anos em que ocupou o imóvel.

Porém, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) afastou a cobrança dos aluguéis, porque reduziria a indenização, premiando a construtora que entregou casa defeituosa. Daí o recurso da empresa ao STJ.

O ministro Luis Felipe Salomão entendeu que esse pagamento não se relaciona com os danos decorrentes do fim do contrato, mas com o efetivo uso do bem alheio. Por isso, não importaria avaliar quem deu causa ao inadimplemento.

Penalidade abusiva

Por outro lado, o relator apontou que tanto o Código de Defesa do Consumidor (CDC) quanto princípios gerais de direito, além da equidade, apontam como abusiva a prática de impor penalidade exclusiva ao consumidor. Conforme o ministro, o fornecedor não pode ficar isento de sanção em situações de descumprimento análogas às previstas para o consumidor.

“Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento”, afirmou o relator.

O ministro afastou, porém, a retenção em favor do consumidor concedida pelo TJSC dos valores relativos a comissão de corretagem e taxa de serviço, em vista de não terem natureza moratória. O relator ressaltou que esses custos já serão efetivamente suportados pelo fornecedor, que deverá arcar com as despesas mesmo devolvendo integralmente os valores pagos pelo consumidor na compra do imóvel.

“Inverter a mencionada verba, em benefício do consumidor, consubstanciaria verdadeira indenização daquilo que efetivamente não foi gasto, providência que não se harmoniza com os mesmos princípios outrora elencados, e que serviram para dar suporte à inversão da multa moratória”, concluiu.

Fonte: STJ

REsp 955134

quinta-feira, 29 de março de 2012

Informativo 0493 do STJ

CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO.

A Seção entendeu que, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), até a entrada em vigor da Lei n. 11.977/2009, não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de modo que incidia a restrição da Lei de Usura (art. 4º do Dec. n. 22.626/1933). Para tais contratos, não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa. Ressalva do ponto de vista da Min. Relatora no sentido da aplicabilidade no SFH do art. 5º da MP n. 2.170-36, permissivo da capitalização mensal, desde que expressamente pactuada. Assim, no SFH os pagamentos mensais devem ser imputados primeiramente aos juros e depois ao principal nos termos do disposto no art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916). Esse entendimento foi consagrado no julgamento pela Corte Especial do REsp 1.194.402-RS, submetido ao rito do art. 543-C. E, caso o pagamento mensal não seja suficiente para a quitação sequer dos juros, cumpre-se determinar o lançamento dos juros vencidos e não pagos em conta separada, sujeita apenas à correção monetária, com o fim exclusivo de evitar a prática de anatocismo. REsp 1.095.852-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/3/2012.

 

IMÓVEL. INADIMPLEMENTO. LEILÃO. SUSPENSÃO. CREDOR. REINTEGRAÇÃO. POSSE.

A quaestio juris está em estabelecer se há pretensão possessória em favor do credor por contrato de financiamento de imóvel com pacto de alienação fiduciária em garantia, na hipótese em que tal pretensão é exercida depois da consolidação da propriedade do imóvel, mas antes dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei n. 9.514/1997. Na espécie, cuidou-se de ação de reintegração de posse por construtora (recorrida) referente a imóvel por ela vendido mediante alienação fiduciária em garantia, tendo em vista a inadimplência dos recorrentes. Para a retomada do bem, a recorrida constituiu-os em mora mediante notificação e, sem pagamento, consolidou o imóvel em sua propriedade (art. 26, § 7º, da Lei n. 9.514/1997). Em seguida, estabeleceu datas para a realização de dois leilões extrajudiciais do bem. Entretanto, antes da possessória ajuizada pela recorrida, o leilão foi suspenso por decisão judicial, em decorrência de ação ajuizada por um dos recorrentes devido à irregularidade de intimação quanto ao procedimento, sendo precedido de outro processo do outro recorrente com o mesmo objeto. Ocorre que, independentemente da realização do leilão que estava suspenso, a recorrida solicitou a reintegração da posse do imóvel. Nesse panorama, a Min. Relatora destacou que a disputa possessória se dá quando se está diante da afirmação de duas posses, cada uma com o seu respectivo fundamento de fato e de direito. No caso dos autos, a posse dos recorrentes sobre o imóvel foi adquirida por ato inter vivos consubstanciado em contrato de compra e venda com alienação fiduciária em garantia. Desse modo, os recorrentes exerceram seu poder de fato sobre o imóvel, sendo, portanto, a aquisição da posse, derivada. Porém, com a inadimplência, o credor, ora recorrido, inaugurou os procedimentos para a retomada do bem e, ao fazê-lo, resolveu o contrato que fundamentara a posse do imóvel pelos recorrentes, de modo que o fundamento jurídico dessa posse se esvaiu. Assim, uma vez resolvido o contrato do qual emergia o fundamento da posse derivada, esta retorna ao seu antigo titular, podendo-se interpretar como um ato de esbulho a permanência do antigo possuidor no bem. Dessa forma, a consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permanecesse em bem que não lhe pertence sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei n. 9.514/1997 estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese, a lacuna legislativa não pode implicar imposição ao credor fiduciante de um prejuízo a que não deu causa. Dessarte, o destino que deve ser dado ao imóvel entre o prazo da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciante e a data dos leilões judiciais deve ser o de atender à natural destinação econômica do bem, sendo que a permanência daquele que promoveu esbulho do imóvel não atende a essa destinação. REsp 1.155.716-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/3/2012.

 

CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. REDE CONVENIADA. ALTERAÇÃO. INFORMAÇÃO.

Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora de plano de saúde somente cumprirá o dever de informar se comunicar individualmente a cada associado o descredenciamento de médicos e hospitais. Isso porque o direito à informação visa assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando do art. 6º, III, do CDC somente será efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, no último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. Precedentes citados: REsp 418.572-SP, DJe 30/3/2009, e REsp 586.316-MG, DJe 19/3/2009. REsp 1.144.840-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/3/2012.

 

SEGURO DE SAÚDE. CARÊNCIA. ATENDIMENTO EMERGENCIAL. SITUAÇÃO-LIMITE.

A questão consiste em saber se, em seguro de assistência à saúde, é possível a seguradora invocar prazo de carência contratual para restringir o custeio dos procedimentos de emergência de que depende o beneficiário do seguro ao período concernente às doze primeiras horas de atendimento médico-hospitalar, a contar da internação. No caso, o recorrente ajuizou ação de obrigação de fazer em face da seguradora ora recorrida, sustentando ser beneficiário do seguro de assistência à saúde firmado com a recorrida. Aduz que, ao ser atendido no hospital, foi diagnosticada a existência de tumor cerebral maligno, com quadro médico grave e risco de morte, razão pela qual foi imediatamente internado para posterior intervenção neurocirúrgica. Apesar do caráter emergencial do exame de ressonância magnética nuclear, foi negada, pela recorrida, a sua cobertura ao argumento de que o contrato do recorrente estaria sujeito ao prazo de carência de 180 dias a partir da adesão ao seguro. E que, diante dessa situação, foi sua genitora quem custeou os exames. O juiz a quo julgou procedentes os pedidos formulados na inicial, obrigando a recorrida a custear todos os procedimentos necessários até a cessação e extirpação da moléstia, sob pena de arcar com multa diária de R$ 1 mil, determinando, também, o reembolso dos valores despendidos. Interposta apelação, o tribunal de justiça deu parcial provimento ao recurso da recorrida para limitar o período da cobertura. O recorrente interpôs recurso especial, que foi admitido. A Turma entendeu que, diante do disposto no art. 12 da Lei n. 9.656/1998, é possível a estipulação contratual de prazo de carência, todavia o inciso V, "c", do mesmo dispositivo estabelece o prazo máximo de 24 horas para cobertura dos casos de urgência e emergência. Os contratos de seguro e assistência à saúde são pactos de cooperação e solidariedade, cativos e de longa duração, informados pelos princípios consumeristas da boa-fé objetiva e função social, tendo o objetivo precípuo de assegurar ao consumidor, no que tange aos riscos inerentes à saúde, tratamento e segurança para amparo necessário de seu parceiro contratual. Os artigos 18, § 6º, III, e 20, § 2º, do CDC preveem a necessidade da adequação dos produtos e serviços à legítima expectativa do consumidor de, em caso de pactuação de contrato oneroso de seguro de assistência à saúde, não ficar desamparado no que tange a procedimento médico premente e essencial à preservação de sua vida. Como se trata de situação limite em que há nítida possibilidade de violação de direito fundamental à vida, não é possível a seguradora invocar prazo de carência contratual para restringir o custeio dos procedimentos de emergência relativos ao tratamento de tumor cerebral que aflige o beneficiário do seguro. Precedente citado do STF: RE 201819, DJ 27/10/2006; do STJ: REsp 590.336-SC, DJ 21/2/2005, e REsp 466.667-SP, DJ 17/12/2007. REsp 962.980-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/3/2012.

 

SEGURO DE VIDA. COMPLEMENTAÇÃO SECURITÁRIA. CIRURGIA DE REDUÇÃO DO ESTÔMAGO.

A discussão central do recurso reside em definir se, para fins securitários, é considerado morte natural ou morte acidental o óbito provocado por infecção generalizada decorrente de acidente durante cirurgia de gastroplastia ou bariátrica, popularmente conhecida por “cirurgia de redução de estômago”. No caso, a segurada, portadora de obesidade mórbida, submeteu-se à cirurgia de gastroplastia. Durante a operação, seu baço foi lesionado, o que a fez passar por uma intervenção para retirá-lo. Após receber alta hospitalar, teve de ser novamente hospitalizada em razão de sérias complicações pós-operatórias, devido ao grave quadro de infecção generalizada. Em decorrência dessas complicações, a segurada veio a óbito vinte dias após a cirurgia. Em razão do falecimento da segurada, os beneficiários do seguro de vida pleitearam administrativamente o prêmio, recebendo a indenização da cobertura básica por morte natural. Insatisfeitos, ajuizaram ação contra a seguradora para obter a diferença da indenização por morte acidental, estimada em R$ 33 mil. O juízo de direito acolheu o pedido, modificado pelo tribunal a quo, que entendeu ter ocorrido “morte natural”. A Min. Relatora, inicialmente, asseverou que, ainda que o conceito de acidente pessoal encontre previsão no contrato de seguro, não se aplicam à espécie os enunciados das súmulas de número 5 e 7 do STJ. Discute-se, em realidade, a qualificação jurídica do evento que resultou na morte da segurada, caracterizando por acidente ou por fato natural o desenrolar do procedimento cirúrgico que a vitimara. A Turma entendeu que a infecção generalizada resultante de imprevista lesão no baço da paciente não se manteve na linha natural do desdobramento cirúrgico. Tal acontecimento, no contexto de procedimentos médicos da mesma natureza, representou, em realidade, evento não esperado e pouco provável; fator externo e involuntário ao ato cirúrgico de "redução de estômago", ou seja, a lesão no baço acidentalmente ocorrida durante a cirurgia. Daí por que, para quaisquer fins, inclusive securitários, a infecção causadora da morte da vítima foi provocada pela lesão acidental, o que afasta a alegação de morte natural e autoriza a complementação do prêmio por morte acidental. Diante dessa e de outras considerações, a Turma deu parcial provimento ao recurso especial para julgar procedente o pedido de complementação da cobertura securitária. REsp 1.184.189-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 15/3/2012.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Tarifa de adiantamento ao depositante: ilegalidade

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. REVISÃO DE CONTRATO.
tarifas abusivas. A “tarifa de adiantamento a depositante”, denominada, in casu, como “tarifa sobre excesso em conta corrente”, denota excessiva vantagem à instituição financeira, porquanto cobrada além dos juros remuneratórios incidentes pela utilização do limite de crédito em conta corrente. Do mesmo modo, descabe atribuir a “tarifa regularização restritivo” ao cliente, vez que o interesse em proceder no registro do nome do consumidor junto aos órgãos de proteção de crédito é da própria instituição financeira. Abusividade verificada com base no artigo 51, IV e §1º, do Código de Defesa do Consumidor.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Este órgão fracionário filia-se ao entendimento de ser viável a repetição do indébito. Caso quitada a obrigação, admite-se a devolução, na forma simples, ao consumidor do crédito dos valores pagos a maior, independentemente da prova de erro.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU. UNÂNIME.

Apelação Cível

Primeira Câmara Especial Cível
Nº 70046809257

Comarca de Carazinho
BANCO SANTANDER BRASIL SA

APELANTE
JOSE CARLOS ROCHA LACCHINI

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso do réu.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Eduardo João Lima Costa e Des. João Barcelos de Souza Júnior.
Porto Alegre, 24 de janeiro de 2012.


DES.ª LAURA LOUZADA JACCOTTET,
Relatora.

RELATÓRIO
Des.ª Laura Louzada Jaccottet (RELATORA)
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo BANCO SANTANDER BRASIL SA da sentença que, nos autos da ação revisional de contrato que lhe move José Carlos Rocha Lacchini, julgou procedente a demanda nos seguintes termos:
ANTE O EXPOSTO, com fulcro nos artigos 269, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido efetuado por JOSÉ CARLOS ROCHA LACCHINI na Ação de Cobrança c/c Revisional de Contrato ajuizada contra o BANCO SANTANDER BANESPA S.A., para declarar a ilegalidade da cobrança dos seguintes encargos: “Tarifa sobre excesso em c/c”, “Juros s/ excesso de limite”, Juros de mora sobre inadimplência”, “IOF”, “CPMF sobre lançamentos”, “CPMF sobre cobertura de saldo devedor”, “Tarifa Regularização Restritivo”, nos valores que excederem o limite da conta corrente nº 01.003455-1 e do Contrato de Supercheque, estipulado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Determino a limitação dos juros moratórios em 1% ao mês e a multa moratória de 2%, tudo a ser apurado em liquidação de sentença. Com a apuração do saldo devido é cabível a repetição do indébito ou a compensação, cujo valor deverá ser devidamente corrigido pelo IGP-M, desde janeiro de 2007, e, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação.
Pelo princípio da sucumbência, condeno o demandado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em consonância com os vetores do art. 20, § 4º, combinado com o art. 21, ambos do Código de Processo Civil, considerando a natureza da causa e o trabalho realizado.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões, aduz que a “tarifa de adiantamento a depositante” pode ser cobrada em caso de não haver saldo na conta corrente do cliente, asseverando que tal tarifa é referendada pelas entidades do mercado financeiro. Alega a possibilidade de incidência da “tarifa regularização restritivos”, pois para que o banco inclua ou exclua a cliente dos órgãos de restrição ao crédito há um custo, o qual deve ser repassado ao cliente. Refere que a parte autora extrapolou o limite da conta corrente por má administração de suas finanças. Impugna a repetição do indébito. Salienta a necessidade de minoração dos honorários advocatícios em caso de manutenção da condenação nos ônus sucumbenciais. Requer a reforma da sentença e a inversão da sucumbência.
Com as contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
Des.ª Laura Louzada Jaccottet (RELATORA)
Conheço do recurso, uma vez que preenchidos os pressupostos de admissibilidade, e passo à análise do presente.

DAS TARIFAS ABUSIVAS
Defende a instituição financeira, sem razão, a possibilidade cobrança da “tarifa de adiantamento a depositante” e da “tarifa regularização restritivos”.
Além de não haver prova da pactuação das citadas tarifas entre as partes, conforme fls. 74/77126/131 e 134/141, e da observância do dever de informação ao cliente, violando o disposto na legislação consumerista aplicável à espécie[1], os referidos encargos são abusivos.
Isso porque a “tarifa de adiantamento a depositante” - conhecida também como “de excesso de crédito” -, a qual, no caso, aparece como “tarifa sobre excesso em conta corrente”, denota excessiva vantagem à instituição financeira, porquanto cobrada além dos juros remuneratórios (normalmente elevados) incidentes pela utilização do limite de crédito em conta corrente.
Nesse sentido:

AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. CONTRATO DE RENEGOCIAÇÃO E CONFISSÃO DE DÍVIDA. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. (...) TARIFA DE ADIANTAMENTO À DEPOSITANTE. A ausência de prova da pactuação configura como abusiva a cobrança da tarifa de adiantamento à depositante, devendo ser afastada. (...) APELAÇÃO DO RÉU CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70041632308, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 04/10/2011)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. (...) TARIFA DE ADIANTAMENTO AO DEPOSITANTE. ABUSIVIDADE. Encargo que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, porquanto cumulada com a cobrança de juros pela utilização deste mesmo limite de crédito. (...) APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70040230112, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em 23/02/2011)

Ora, não há, assim, como deixar de verificar a acentuada onerosidade, ao autor, da “tarifa sobre excesso em conta corrente” cobrada pelo réu, no valor de R$ 30,00 (trinta reais) cada uma, segundo extratos das fls. 19/31.
Do mesmo modo, descabe atribuir à parte autora a obrigação de arcar com a “tarifa regularização restritivo”, vez que o interesse em proceder no registro do nome do consumidor junto aos órgãos de proteção de crédito é da própria instituição financeira, a qual já cobra de seus clientes encargos decorrentes do inadimplemento, sendo abusivo atribuir-lhes também os custos de tal procedimento.
Vedada, portanto, a incidência da “tarifa regularização restritivo”.
In casu, pois, forte no disposto no artigo 51, inciso IV e §1º, do Código de Defesa do Consumidor[2], há evidente abuso do poder econômico por parte da casa bancária ao cobrar as tarifas mencionadas.
Diante do exposto, acertada a decisão do Juízo a quo ao afastar a cobrança das tarifas examinadas, nada havendo a modificar na sentença acerca do tema.

DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO
Este órgão fracionário filia-se ao entendimento de ser viável a repetição do indébito. Caso quitada a obrigação, admite-se a devolução, na forma simples, ao consumidor do crédito dos valores pagos a maior, independentemente da prova do erro – obedecida a dobra tão-só quando existir prova inequívoca da má-fé do credor.
Sem dúvidas que a penalidade consubstanciada na restituição em dobro do que foi cobrado que somente pode ser imposta na hipótese de caracterização de conduta maliciosa do credor.
Na arena jurisprudencial, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se:

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. DESCABIMENTO. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DOS JUROS. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LEGALIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. NÃO-CABIMENTO. FORMA SIMPLES. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. (AgRg no Ag 921.380/RS, REl. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, Dje 08.05.2009)

Logo, forte no princípio que veda o enriquecimento sem causa, é de ser mantido o reconhecimento da possibilidade de abatimento dos valores cobrados em excesso do saldo da dívida, na forma simples, independentemente da prova de erro.
De se desprover, assim, o recurso do réu no ponto.

DA SUCUMBÊNCIA
Considerando o resultado do presente, mantenho os ônus sucumbenciais conforme estabelecidos na decisão recorrida.
No que tange ao pedido de minoração da verba honorária, cabe salientar que, embora arbitrados honorários em patamar superior ao usualmente arbitrado por este órgão fracionário na espécie de demanda, é de se manter o quantum fixado pela Julgadora singular, levando-se em conta o labor realizado pelos procuradores do autor e o tempo despendido na causa, nos termos do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

Por tais razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso do réu, mantendo na íntegra a sentença hostilizada.


Des. Eduardo João Lima Costa (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. João Barcelos de Souza Júnior - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª LAURA LOUZADA JACCOTTET - Presidente - Apelação Cível nº 70046809257, Comarca de Carazinho: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: MARLENE MARLEI DE SOUZA


[1] Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

[2] Código de Defesa do Consumidor. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.