quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Reajuste por idade em plano de pecúlio é considerado abusivo pela justiça gaúcha

Comarca de Santa Maria

4ª Vara Cível

Rua Buenos Aires, 201

_________________________________________________________________________

Processo nº:

027/1.09.0014087-1 (CNJ:.0140871-28.2009.8.21.0027)

Natureza:

Ordinária - Outros

Autor:

Guaraci Covolo

Réu:

CAPEMISA - Seguradora de Vida e Previdência S A

Juiz Prolator:

Juiz de Direito - Dr. Luciano Barcelos Couto

Data:

31/07/2013

Vistos.

Cuida-se de “ação revisional de pecúlio c/c repetição de indébito e antecipação de tutela” ajuizada por Guaraci Covolo em desfavor de CAPEMISA Seguradora de Vida e Previdência S.A.

Narrou a inicial, em síntese, que o demandante aderiu a plano de pecúlio oferecido pela parte ré em 1983 e que, após migrações, o demandante é, atualmente, participante de pois planos (“Plano Melhor” e “Plano Idade Certa”); também a sua esposa seria participante do “Plano Idade Certa”. Afirmou que as contribuições exigidas pela parte ré estão ficando impagáveis em função de sucessivos reajustes, atingindo o valor mensal de R$ 845,57 (oitocentos e quarenta e cinco reais e cinquenta e sete centavos), mas que os benefícios sofrem reajustes ínfimos, por índices diferentes. Afirma que não pretende desfazer os contratos, mas apenas restabelecer o equilíbrio contratual, determinando a utilização do mesmo índice de correção para as contribuições e para os benefícios, como determinam os regulamentos dos planos. Também defende a ilicitude de eventuais reajustes em função da sua idade. Expôs os fundamentos jurídicos da demanda e pediu sua procedência para revisar os benefícios e contribuições dos planos. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela.

Juntou procuração e documentos (fls. 27-90).

Deferida parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela (fl. 92). A parte autora interpôs embargos de declaração (fls. 190-192), acolhidos (fl. 193).

Citada (fl. 93v), a parte ré contestou o feito (fls. 112-149), inicialmente descrevendo as características dos planos contratados (planos de pecúlios por morte – um deles conjugado com seguro para acidentes pessoais – estruturados em regime de financiamento por repartição simples). Discriminou os valores descontados da folha de pagamento do demandante. Defendeu a inexistência de quaisquer abusividades nos contratos, e a licitude do ajuste de contribuições pela mudança de faixa de idade do participante. Também obtemperou ser lícita a contribuição filantrópica, que não se confunde com os carregamentos para despesas. Sustentou que a parte autora não pagou quaisquer valores indevidos, pelo que não há o que lhe devolver. Pediu a improcedência da ação e requereu a realização de perícia atuarial. Juntou documentos (fls. 150-189).

Houve réplica (fls. 195-208).

A requerimento da parte ré, foi deferida a realização de perícia atuarial (fl. 257). A parte autora interpôs agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento para reformar a decisão e indeferir a prova.

As partes não requereram a produção de quaisquer outras provas, mas juntaram documentos.

Vieram-me os autos conclusos para sentença.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Cuida-se de ação pela qual a parte autora pretende revisar os termos do plano de pecúlio que mantém com a parte ré. Estando a ação estreme de vícios formais, passo de pronto ao exame do mérito.

De início, convém produzir um apanhado dos termos em que as partes contrataram. O demandante aderiu, em 1985, ao plano Pecúlio I (PCI) que, em 1989, transformou-se no plano pecúlio I-A (PCIA); este, em 1993, tornou-se o Plano Melhor (PM2). Ademais, em 1996, o demandante aderiu ao plano Idade Certa (PIC).

O PCI (fl. 29) originariamente previa uma contribuição de Cr$ 53.560,00 (cinquenta e três mil quinhentos e sessenta cruzeiros) e um benefício de Cr$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de cruzeiros) – ou seja, 764,83 vezes superior à contribuição.

O PCIA (fl. 30) previa, quando da conversão, uma contribuição de NCz$ 30,00 (trinta cruzados novos) e um benefício de NCz$ 10.420,29 (dez mil quatrocentos e vinte cruzados novos e vinte centavos) – valor 347,34 vezes superior à contribuição.

O PM2 (fl. 31) estipulava, por ocasião da conversão, uma contribuição de Cr$ 912.240,00 (novecentos e doze mil duzentos e quarenta cruzeiros) e um benefício de Cr$ 420.000.000,00 (quatrocentos e vinte milhões de cruzeiros) – cerca de 460,41 vezes mais. Atualmente, contudo (dezembro de 2008, em verdade – fls. 34-35), a contribuição está em R$ 298,27 (duzentos e noventa e oito reais e vinte e sete centavos) e o benefício, em R$ 36,638,01 (trinta e seis mil seiscentos e trinta e oito reais e um centavo), uma proporção de 1 por 122,84.

Por fim, quando o demandante aderiu ao PIC (fl. 40), a contribuição de R$ 18,11 (dezoito reais e onze centavos) equivalia a um benefício de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais) – ou seja, 287,13 vezes maior. Em dezembro de 2008 (fls. 43-44), contudo, a contribuição de R$ 172,30 (cento e setenta e dois reais e trinta centavos) correspondia a um benefício de R$ 16.431,44 (dezesseis mil quatrocentos e trinta e um reais e quarenta e quatro centavos), 95,37 vezes maior.

Não é difícil perceber que, ao longo do tempo, os valores das contribuições têm crescido em desproporção com os valores dos benefícios associados. Parte dessa desproporção decorre, conforme se observa da documentação acostada aos autos, de reajustes das contribuições por mudança de faixa de idade.

Ocorre que o Tribunal de Justiça deste Estado mantém, quanto à possibilidade de reajuste das contribuições mensais em planos de pecúlios em razão da simples mudança de faixa etária, firme posição, bem exemplificada pelo seguinte julgado:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PLANO DE PECÚLIO. REAJUSTE DA MENSALIDADE EM RAZÃO DA MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. É abusiva a fixação arbitrária do percentual de reajuste da mensalidade, sem que o mesmo esteja devidamente justificado, bem como esclarecidos os critérios para a sua quantificação. Aplicabilidade dos princípios norteadores do Codex Consumerista. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70022607113, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 18/02/2009)

No caso dos autos, como já notado, os regulamentos dos planos efetivamente preveem reajustes por mudança de faixa etária (fls. 32-33/41-42), justificando-os pela metodologia de cálculo das contribuições e dos benefícios. Os regulamentos, contudo, também contêm cláusulas que estabelecem a correção de benefícios e contribuições por índices oficiais (os mesmos índices para ambos, aliás).

Ocorre que o amplo descompasso entre o atual valor dos benefícios e o valor das contribuições exigidas do consumidor desvela a abusividade e recomenda a procedência da ação.

O problema é que, da perspetiva do consumidor, o documento que ele inicialmente assinou, ao contratar os planos, fazia uma promessa do tipo: “paga-me um valor tal por mês, e , por ocasião de teu falecimento, pagarei a um beneficiário um montante x vezes superior aos pagamentos mensais”.

O hipossuficiente, ao interpretar essa proposta, pensará, sempre, que aquele valor indicado para o benefício já considera todos os cálculos e fatores atuariais que a parte ré utiliza para manter o equilíbrio de seus planos. Em momento algum, é-lhe dito que esses fatores incidirão sobre o montante prometido, reduzindo-o.

É por esse motivo que, atento à regra do artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor, concluo que o demandante, no caso dos autos tem direito ou a um benefício superior àquele que lhe é garantido, ou a pagamentos mensais inferiores. Isso porque contratou o pagamento mensal de x em troca de 299x quando da sua morte. Contudo, atualmente, a parte ré garante-lhe apenas 122x.

Nesse sentido, aliás:

APELAÇÃO CÍVEL. PECÚLIO/SEGURO DE VIDA. REAJUSTE DO PRÊMIO. FAIXA ETÁRIA. ABUSIVIDADE. PRELIMINAR DE SENTENÇA ULTRA PETITA AFASTADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. Prova atuarial. Desnecessidade, ante o contexto probatório. Matéria eminentemente de direito. Inteligência do art. 130 do CPC. PRESCRIÇÃO. Nas ações em que são debatidas as questões atinentes à previdência privada, incide a prescrição quinquenal. Entendimento sumulado no STJ, verbete n. 291. No entanto, no caso em análise, não está sendo discutida a cobrança de parcelas do plano de pecúlio, mas sim a revisão da mensalidade deste plano, a fim de que seja afastado o reajuste operado em razão da mudança da faixa etária, não havendo que se falar em prescrição, por se tratar de relação de trato sucessivo que se renova todo mês. REAJUSTE. FAIXA ETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. Mostra-se abusivo o reajuste realizado em razão da mudança de faixa etária, colocando o consumidor em situação de desvantagem exagerada. Reajuste que causa evidente desequilíbrio contratual entre as partes, sendo, portanto, abusivo e nulo, nos termos do artigo 51, IV, do CDC. Incidência do art. 15, § 3°, do Estatuto do Idoso, aplicado analogicamente à hipótese dos autos. Precedentes desta Corte. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70041586181, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 18/05/2011)

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE PECÚLIO/SEGURO DE VIDA. REAJUSTE DA MENSALIDADE, EM VIRTUDE DE MUDANÇA DA FAIXA ETÁRIA. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. MANUTENÇÃO DO CONTRATO. INCIDÊNCIA DO CDC E DO ESTATUTO DO IDOSO. PRESCRIÇÃO. Afastamento da preliminar de não-conhecimento da apelação. Prescrição. Inocorrência. Manutenção do contrato firmado entre as partes, de modo que deve continuar tanto os prêmios quanto os capitais segurados sendo corrigidos proporcionalmente, em periodicidade anual, pelo mesmo índice aplicado nos anos anteriores (IGP-M), sem a incidência do reajuste por faixa etária, pela sua abusividade reconhecida em face da incidência do CDC e das regras protetivas do Estatuto do Idoso, devendo a demandada restituir em favor da autora os valores indevidamente cobrados a maior a partir da prática abusiva. Preliminar afastada e apelação parcialmente provida. (Apelação Cível Nº 70031864259, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 17/12/2009)

Assim sendo, deve ser afastado o reajuste da contribuição da parte autora em razão da faixa etária – o que não impede seu reajuste anual pelo índice contratado, tendo como base os valores contratados em 1993 para o PM2 e em 1996 para o PIC. Consequência lógica desta sentença é a restituição, à parte autora, dos valores pagos a maior, por meio de repetição simples ou compensação com as contribuições futuras do pecúlio.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por Guaraci Covolo em desfavor de CAPEMISA Seguradora de Vida e Previdência S.A. para, com base no artigo 269, I, do Código de Processo Civil:

a) declarar nula a cláusula que prevê o reajuste das contribuições por mudança de faixa etária, sendo permitida apenas a correção anual pelos índices oficiais, adotando-se como base as contribuições originalmente contratadas em 1993 e 1996;

b) as diferenças das contribuições pagas a maior devem ser restituídas à parte autora, por meio de repetição simples ou compensação com as contribuições futuras do pecúlio, acrescidas de correção monetária desde cada desembolso e juros de mora desde a citação.

CONDENO a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC, tendo em vista o trabalho desenvolvido e a natureza da causa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, arquivem-se com baixa.

Santa Maria, 31 de julho de 2013.

Luciano Barcelos Couto,

Juiz de Direito